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Foto do escritorGiro Bike Experience

A bicicleta como protagonista da liberdade feminina

"Andar de bicicleta fez mais pela emancipação da mulher do que qualquer outra coisa no mundo, dizia a feminista americana Susan Anthony*, no final do século XIX.


Bicicleta e liberdade poderiam ser sinônimos. Andar com os cabelos ao vento, sem depender de ninguém, é uma sensação maravilhosa que as magrelas proporcionam. Mas não é só esse “tipo” de liberdade. Ao longo da história e ainda nos dias de hoje, a bicicleta é um instrumento de luta e ativismo.


Foi no final do século XIX que a bicicleta começou a dar liberdade de deslocamento para as mulheres, permitindo que fossem sozinhas de um lugar para o outro. Passaram a circular mais pelo espaço público, a ir mais longe e a se reunir com outras mulheres sem a presença de homens.


As americanas e francesas foram as pioneiras no uso da bici. Essa liberdade pessoal chegou em um momento em que as mulheres iam à luta por seus direitos. Nesse caso, indo de encontro a crenças masculinas de que pedalar era um movimento “indecente” e poderia causar infertilidade. A autonomia que poderia ser alcançada por elas gerava desconforto.


A emancipação feminina desde a época das sufragistas** teve a bicicleta como uma grande aliada. Elizabeth Staton, que trabalhou com Susan Anthony pelos direitos das mulheres por mais de 50 anos, chegou a dizer que “a mulher está pedalando em direção ao sufrágio”. Maria Pognon, presidente da Liga Francesa de Direitos da Mulher, afirmava que a bicicleta era “igualitária e niveladora”, ajudando a “libertar o nosso sexo”.


Durante o século XIX, era impossível para uma mulher andar na romântica

penny-farthing. O modelo, conhecido dos filmes, tinha roda dianteira maior, aumentando o risco das quedas. O que já era difícil para os homens, pela instabilidade, era ainda pior para as mulheres, por conta de suas roupas volumosas.



O desenvolvimento de um modelo de bike mais moderno, por John Kemp Starley, em 1885, possibilitou alguma mudança nessa situação. As mulheres puderam começar a pedalar e, assim, iniciou-se também uma mudança significativa no vestuário feminino — os vestidos desconfortáveis, que restringiam movimentos, começaram a ser substituídos por calças.




Grandes saias, que pesavam e limitavam seus movimentos, e espartilhos apertados, que machucavam seus corpos, foram substituídos por roupas mais leves e justas, como os spencers (uma adaptação do casaco masculino usado à época) . Nos anos entre 1882 e 1884 as ciclistas passaram a adotar uma nova roupa para praticar o esporte ou simplesmente transitar nos centros urbanos, uma calça mais curta denominada, nos Estados Unidos, de Bloomer e, na Inglaterra, de Knickerbockers


A calça Bloomer foi Lançada em 1850 por Amelia Bloomer para dar liberdade de movimento às mulheres, sendo uma das reformas mais importantes na história do vestuário feminino. Esta peça foi responsável por pensar a diferença entre gêneros e subverter o dimorfismo sexual presente na moda até o século XIX que legislava o uso de calças para homens e saia para mulheres.


A bicicleta propiciou não só a reforma do vestuário feminino como mudou definitivamente as atitudes sociais em relação às estas peças. O uso da roupa esportiva marca o momento da concepção do vestuário moderno. O uso da roupa bifurcada permitiu as mulheres liberdade em seus movimentos e deslocamentos no espaço público.



O ESPAÇO PÚBLICO


Deslocar-se no espaço público, em pleno 2020, continua sendo uma das questões femininas. E a bicicleta demonstra que é realmente uma fiel e atemporal aliada. A aglomeração dos centros urbanos, o transporte público precário e com valor elevado fazem das bikes uma ótima alternativa para se locomover. No entanto, apesar do crescente número de mulheres pedalando nas cidades brasileiras, uma mulher utilizando a bicicleta como seu principal meio de transporte ainda traz surpresa e chama a atenção. Só quem pedala sabe o quanto “sair por aí” pode ser desafiador..


A Natália Blauth há alguns anos utiliza a bicicleta para seus trajetos em Porto Alegre. Saber um pouco do que isso proporciona pra ela, mostra que andar de bicicleta vai muito além de ir de um ponto a outro. É liberdade, é parceria, é auto estima.

“Sendo mulher, passar usar a bicicleta como transporte me trouxe uma enorme sensação de liberdade. Uma das coisas que eu mais gosto de fazer nos lugares onde eu vivo é sair pelas ruas à noite, porém morando em uma cidade como Porto Alegre, onde fazer isso a pé é arriscadíssimo, encontrei na bici uma aliada.
Ainda tem a espontaneidade do pedal: estar pedalando de volta pra casa com uma amiga, e estar tão bom que uma fala “vamos pra tal lugar?”, e quanto vocês percebem, estão na Orla do Guaiba no meio da madrugada.
Pouca gente sabe, mas eu aprendi a pedalar com 22 anos, por isso cada vez que eu escolho um caminho novo, ruas que eu ainda não pedalei, sinto um friozinho na barriga e o meu coração dispara. Eu então centro meus pensamentos, reafirmo pra mim mesma que sou capaz, e começo a pedalar.”

A Camila Bermudez também é adepta da bici como transporte e aprendeu a andar depois de adulta.


"Pra mim pedalar é uma sensação de liberdade, pois como não dependo de um ônibus, não dependo de uma outra pessoa pra chegar a um local, eu me sinto quase como uma super máquina, com a força das minhas pernas, eu consigo chegar em lugares que não conseguiria chegar caminhando. Acho a bicicleta algo incrível. Ela sozinha não é nada, eu sozinha não vou tão longe. Juntas somos supermáquinas."


Os movimentos de mulheres e bicicletas são muitos. Defendem não só maior liberdade e segurança para as mulheres nas ruas, mas também questões que transcendem a problemática feminina, como apropriação do espaço público, inserção da bicicleta nos planos urbanos de maneira democrática e apropriada, proteção ao meio ambiente.


Para mulheres que utilizam a bike como esporte, a problemática também existe. Como é difícil acompanhar os homens nos treinos, elas acabam ficando sem parceria e com medo de pedalar sozinhas na rua de madrugada ( melhor horário para treino em função do pouco trânsito).


A boa notícia é que cada vez mais mulheres pedalam, tanto como esporte quanto para locomoção. É necessário coragem e determinação ( e sair da zona de conforto) para trocar o ônibus, o uber ou até o carro pelo pedal, mas é gratificante! A cidade, o trânsito, o meio ambiente, o corpo e a mente agradecem.



NOTAS


MULHERES QUE MARCARAM A HISTÓRIA DO CICLISMO


KITTIE KNOX

Filha de pai negro e mãe branca, Kittie era apaixonada desde criança por bikes, mas devido às pressões da época, teve que ser costureira. Descontente em exercer uma única função, decidiu pedalar e se tornar uma atuante ciclista.

Em 1895, aos 20 anos, Kittie decide participar do encontro anual da Liga dos Ciclistas Americanos, conhecida como Sociedade Americana de Wheelmen, em Nova Jersey. Eles haviam mudado recentemente seu estatuto e admitiam apenas membros brancos (medida que só seria revertida em 1999). Ela chega de bicicleta e determinada a desafiar os dirigentes racistas da época, mas ao chegar lá foi convidada a sair e proibida de participar da reunião. Mas isso não a desanimou! Kittie recebeu o apoio de alguns participantes e passou a ser uma importante ativista contra o racismo e a favor do direito das mulheres.

No começo do século XX, Kattie foi diagnosticada com uma doença renal e lutou até quando pode, mas a doença a dominou e ela acabou morrendo com apenas 26 anos de idade. Apesar de ter partido cedo, deixou marcas profundas, sendo uma figura importante para o ciclismo mundial e fonte de inspiração para muitas mulheres que sofrem com o preconceito e a discriminação!


MARIA WARD

Maria Ward defendia que, tal como os homens, as mulheres são capazes de cuidar da manutenção técnica da sua bicicleta. Assim, em 1896, mudou o rumo da história da bicicleta ao publicar o manual de utilização “Bicycling for Ladies” – um guia completo sobre como escolher a bicicleta mais adequada, quais as regras de etiqueta e as instruções necessárias de manutenção da bicicleta.


AMELIA BLOOMER

Jornalista e editora de uma revista feminina, que tinha como objetivo elevar a moral da sociedade americana, Amelia Bloomer foi a militante feminista responsável pela introdução de um vestuário mais confortável e prático para as mulheres.

Amelia ficou conhecida pelo mundo inteiro após ter criado o modelo de calças “Bloomer” – umas calças largas, compridas e folgadas que estreitavam nos tornozelos – uma autêntica revolução na história da bicicleta.


MARIANNE VOS

Por que não existe um Tour para mulheres? A questão cai diretamente nos dilemas mais difíceis de abordar o esporte, incluindo atitudes culturais e obstáculos financeiros. Apesar de ter competidoras fortes e boas performances no cenário mundial, cobertura, prêmios em dinheiro e suporte financeiro, o ciclismo feminino profissional sempre foi eclipsado pelo masculino. Ainda assim, persiste, mesmo à sombra do Tour de France.


Em 2013 quatro ciclistas mulheres criaram uma petição que exigia um Tour de France feminino. Se intitulando Le Tour Entier, Chrissy Wellington, Emma Pooley, Katherine Bertine e Marianne Vos encabeçaram a iniciativa. ”Nós queremos um Tour de France feminino de volta ao calendário oficial”, disse Vos. “Claro que é um objetivo grande.” Mas claro que Vos, ainda na ativa, está disposta a levar as mulheres ao patamar de igualdade que elas merecem.


LIVRO

AS RODAS DA MUDANÇA

Por meio de fotografias antigas, propagandas, quadrinhos e canções, o livro transporta os jovens leitores a eras passadas para retratar como as mulheres utilizaram a bicicleta para melhorar suas vidas. O livro mostra a influência da bicicleta na moda e o impacto nas mudanças sociais da época.

Comovente e divertido, Wheels of Change explora o início da história das mulheres no ciclismo com pitadas de filosofia e passagens divertidas.



* Susan Brownell Anthony, conhecida como Susan B. Anthony, foi uma escritora, professora e abolicionista americana que, juntamente com Elizabeth Cady, exerceu um papel essencial na luta das mulheres pelo direito ao voto e no movimento progressista.


** O movimento pelo sufrágio feminino é um movimento social, político e econômico de reforma, com o objetivo de estender o voto às mulheres. As origens modernas do movimento encontram-se na França do século XVIII.



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